sexta-feira, 20 de julho de 2007

"Encontro de Ribeirão Preto, SP"




de 23 a 25 de novembro de 1979

"O negro sob a visão política do estadista da República dos Palmares no Brasil de hoje."

Estamos às vésperas de um novo Recenseamento no Brasil e a manifesta intenção da Fundação do IBGE em não caracterizar a cor dos brasileiros provocou - como era de esperar - por parte dos sociólogos patrícios, um veemente protesto como mais uma forma dis­farçada de racismo e escravagismo.
É de se indagar: por que essa ocultação da cor? Será pelo fato de sermos hoje uma Nação mestiça? Não são poucos os sociólogos que afirmam que mais de setenta por cento dos brasileiros é constituí­do por mestiços. Assim sendo, contrariamente ao que se afirmava há algumas décadas acerca do "branqueamento" do povo brasileiro, observa-se, atualmente, um "morenamento" do povo, o que vale dizer, um "escurecimento", ou seja, uma predominância dos caracteres "afri­canos na nossa gente".
Se há essa prevalência nas características do homem e da mu­lher brasileiros, não se nota, contudo, a valorização cultural de nos­sas raízes africanas. O que se verifica ainda no Brasil é um acen­tuado modo de ser alienígena, com fortes traços do elemento colo­nizador europeu e hoje, pelos diversos meios de comunicação e di­fusão artístico-cultural, dos hábitos e costumes americanos, fortemen­te descaracterizadores da identidade nacional.
Assim, se antes não conseguimos formar um pensamento repre­sentativo dos valores étnicos do negro, hoje, estamos muito mais amea­çados de não chegarmos a constituir os nossos pr6prios valores na sociedade brasileira, em face da avassaladora descaracterização da cultura nacional, onde a cultura brasileira, como um todo, vê-se ameaçada.
Diante dessa ameaça, o negro, o mestiço, o branco, enfim todos os que compõem o povo brasileiro poderão frustrar-se em não reali­zar o audacioso e ambicioso projeto de viabilizar a primeira ci­vilização tropical, onde o elemento negro, por suas próprias carac­terísticas étnicas, é o forjador desta civilização nos Trópicos.
Ao nos reunirmos nesta pujante e progressista cidade de Ribei­rão Preto, para estudar e debater os problemas do negro, inspira­mo-nos, como não poderia deixar de ser, na figura daquele que foi o exemplo máximo da LIBERTAÇÃO NACIONAL contra o elemen­to. colonizador e que por todos os títulos e o seu incontestável papel na História do Brasil foi o iniciador do nosso processo de indepen­dência e da participação do negro na vida política: Zumbi, o criador da República de Palmares.
Malgrado o dignificante exemplo de Zumbi, depois de Palmares, observamos tristemente que há um vazio na participação política do negro, a despeito de um ou outro elemento, isoladamente, que galgou posição de realce no cenário nacional, não como força representati­va da nossa etnia, mas, puramente, por méritos pessoais, tendo que transpor, é de se reconhecer, terríveis barreiras para fazer valer suas individualidades.
Razão pela qual, é preciso que se reafirme em um momento co­mo este que precisamos nos unir, defender nossos valores culturais, ressaltar o legado de nossa herança cultural, enfim, participar ativa­mente do processo sócio-político-cultural brasileiro, sob pena de ser­mos considerados omissos pelos nossos pósteros, ou pior ainda, de termos nos acovardado em fazer valer nossos valores étnicos.
Os historiadores brasileiros, em sua esmagadora maioria cons­tituída de brancos, sempre viu o elemento negro como extremamen­te .paciente, gentil, cordial, como um ser bondoso que está sempre esperando ~ nunca se definiu e nunca foi dito o que está a esperar - como um ser pronto a servir, no sentido de ser utilizado pelas classes dominantes, mas, infelizmente, nunca foi visto como um ele­mento cuja participação na força de trabalho foi e é decisiva para o engrandecimento da Nação brasileira. Somente o próprio negro pode acabar com essa imagem que antes de o engrandecer o diminui no contexto étnico brasileiro, transformando-se através da sua parti­cipação política nos destinos do Brasil.
É preciso um basta. Chega de esperar. Estamos esperando o quê? Que outros nos obriguem a participar politicamente? Acaso pre­cisaremos de lições? Não foi suficiente o exemplo viril de Zumbi?
Por acaso Zumbi está morto? Não. Não acreditamos. O ideal de Zumbi permanece vivo, é eterno, jamais morrerá. Zumbi não mor­reu. Só morrerá se os negros o matarem. Mas isto jamais acontecerá. Por esta razão estamos reunidos aqui e agora para reafirmar o seu ideal de luta, de independência, de liberdade, de amor à VIDA e de vivificá-Ia.
Como ponto básico de nossos estudos, peço seja transcrito nos Anais deste Encontro a "Carta de Uberaba", idealizada sob a inspi­ração do estadista Zumbi, e que deve ser o traço de união, o ideário de' todo o negro brasileiro.

Carta de Uberaba - CONGRESSO AFRO-BRASILEIRO


DOCUMENTO A QUE SE REFERE
O SR. ITAMAR FRANCO EM SEU DISCURSO.


I CONGRESSO AFRO-BRASILEIRO


Realizado em Uberaba, Minas Gerais, de 7 a 9 de setembro de 1979
Reunidos, em Uberaba, negros brasileiros e entidades representa­das em Congresso Nacional, resolvem editar a carta de posiciona­mento político:
1. Considerando que os descendentes de afro-brasileiros, atra­vés do tempo, aprenderam a tolerar e transformar pacificamente to­dos os atos de violência oriundos de outras etnias;
2. Considerando que ministrado e dirigido à coisa pública e os bens da Nação e os negócios exteriores culturais e sócio-econômi­cos pelas etnias europeizantes, em decorrência da colonização;
3. Considerando que o Brasil sendo um país de grande ex­tensão territorial e só a pequena minoria europeizante é que dela participa e desfruta em forma substancial dos frutos do solo e do subsolo, enquanto os descendentes de afros e indígenas não par­ticipam em igual teor;
4. Considerando que os negros foram capazes de constituir o Brasil pela sua capacidade interior, projetando para o exterior, em forma de trabalho, canalizar em energia os vários estágios de rique­zas financeiras e econômicas e que a minoria europeizante desfrutou e desfruta até hoje,
Resolve:
Os negros brasileiros, à Carta de Uberaba apresentam como so­lução à Nação as seguintes sugestões:
a) Participação efetiva na política em nível municipal, estadual e federal;
b) Iingresso e filiação nos partidos políticos que mais afinem com as necessidades ideológicas
(do negro);
c) Ocupação de todo espaço vazio que a Nação dispõe.
Ressalte-se a necessidade de integração no processo social dos trabalhadores rurais, dos camponeses, cuja legislação até hoje não foi compreendida (vide Estatuto do Trabalhador Rural, agora in­tegrado na CLT, bem como o cumprimento do Estatuto da Terra);
f) Integração nos órgãos de divulgação: imprensa, rádio, tele­visão· e editoras;
g) Dinamização de todo o acervo cultural passado e presente, em forma conjunta, a fim de canalizar todas as forças vitais de que dispõem: a música, o teatro, o cinema, pintura, escultura e manifes­tações de folclore de um modo geral;
h) Política habitacional: desenvolver e ampliar a mentalidade cooperativista, tanto em mutirões, quanto na forma de participação associativa;
i) Política de saúde: esporte, prevenção, higiene;
i) Política alimentícia, sendo cooperativista dos produtores e dos trabalhadores;
1) Eleições livres e diretas pelo voto secreto de Prefeito, Gover­nador e Presidente da República; de Vereador a Deputado Estadual, Federal e Senador. A supressão das eleições entendemos como for­ma de racismo e escravagismo.