Yussef Campos entrevista Waldimiro de Souza, no dia 10/04/2013. Para sua pesquisa de Doutorado sobre a Constituinte de 1987 e 1988.
- Senhor Waldimiro, meu nome é Yussef Campos e sou aluno do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Juiz de Fora. Pesquiso como foi confeccionado o artigo 216 da Constituição Federal, que trata do patrimônio cultural brasileiro.
- Sei...você está fazendo doutorado? Você já viu o blog [ele se refere ao blog ‘O negro no Brasil 1980’, organizado por ele]?
- Sim! Sou doutorando e consegui seu contato pelo blog. E notei que o senhor participou da Constituinte, como representante do CEAB (Centro de Estudos Afro -brasileiros), estou certo?
- Foi...
- E no artigo 216 os sítios quilombolas são tombados imediatamente...
- Não, não está tombado não...alguns estão sendo reconhecidos agora. Acontece o seguinte: não foi regulamentada a lei. É uma coisa constitucional, mas não regulamentada. Tem um decreto do Lula que está no Supremo, questionado pelo partido democrático.
- Mas as reivindicações que o senhor levou para a Constituinte foram atendidas?
- Não! O que o Milton [Santos] chama de linguagem da perversidade é que...você viu o que aconteceu entre o Joaquim [Barbosa] e o Supremo? Então...se os advogados e juízes fazem isso com o Supremo não vão fazer com os Quilombolas?
- Qual seria então a crítica que o senhor faria a Constituinte, enquanto falamos de cultura afro-brasileira, por ter deixado reivindicações de fora?
- [Pausa]. Os Constituintes, todos sem exceção, estavam desinformados…uma vez eu coloquei ao presidente JK que o governo dele tinha sido racista, contra negros e índios, e ele levantou e disse para mim, olha a resposta dele: ‘não foi um erro meu, nem do meu governo, nem dos meus ministros nem dos meus assessores..., mas sim dos nossos antepassados que não nos informou que brasileiros nós somos. Nenhuma mulher, nenhum homem pode tomar decisões específicas no país e não conhecer racismos’. E acrescentou: ‘Faça alguma coisa para ombrear que eu ajudarei’. Eu disse ‘presidente, eu não sou nenhum chefe de estado, eu não tenho nenhuma ideia nem nenhum lugar´, porque eles é que trabalham para o país. Foi o Juscelino que me deu essa base de apoio. Agora, o parlamento brasileiro, hoje, e nós somos um povo desinformado que somos, como nação. Nós temos uma herança com grau perverso da Maçonaria, da Igreja e da Europa, os portugueses. Quem domina, ainda, é esses grupos: a maçonaria, a Igreja e a herança europeia vinda do alto. Eles faziam o que o alto mandava. Era a Maçonaria, a Igreja e a Inglaterra.
- Então o senhor acha que esse texto, quando fala para proteger os sítios quilombolas, ele é só um uso político dos Constituintes? Não teve efeito algum?
- Não...o sítio teve. Mas o negro não foi considerado como cidadão pleno. Se os negros são maioria, e ele é tratado como minoria, então não reconhecimento da maioria. A maioria tem que ser sinônimo de poder senão não é maioria. Não há reconhecimento. O reconhecimento é de falácia. O Estado brasileiro é um Estado racista. A decisão do Estado brasileiro é decisão racista. As autoridades são, exercem a decisão do governo. [Pausa]. O Senado, o Congresso, são...é aquilo que disse o Joaquim sobre os juízes [em referência à declaração do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Joaquim Barbosa, de que as entidades que reúnem magistrados atuaram de forma "sorrateira" ao apoiar a criação de quatro novos tribunais regionais federais].
- A deputada Constituinte Benedita da Silva lutou pelo reconhecimento do valor da cultura afro-brasileira. O senhor acha que ela não obteve sucesso na Constituinte de 1987-88?
- Ninguém teve sucesso. As elites manipularam. Foi como o Joaquim Barbosa disse. Foi uma forma sorrateira de fazer as coisas. Use a frase do Joaquim, mini stro do Supremo. Ele disse isso ontem, você viu?
- Sim.
- Então, use a frase do Joaquim. Ele interpreta exatamente a situação de hoje.
- Então os artigos da Constituição que defendem os afro-brasileiros são retóricos...
- São. Não foram cumpridos. Foi uma forma sorrateira...o Joaquim disse isso. Anota aí:‘Fazenda Tapera, Mansidão da Ilha’ [em referência aos moradores da Fazenda Tapera, BA, que reclamavam aos governos municipal, estadual e federal, em abaixo assinado, apoio estatal por melhores condições de vida] lá no blog tem um comentário de um estudante, abaixo do arquivo que escrevo, estudante da Universidade Federal [Mateus Santos - Estudante de Ciência Sociais da UFMG] que interpreta a briga do Joaquim. Você tem que ler o arquivo desse estudante. Se você ler o que o Joaquim fala você vai ter tudo o que você quer. É uma questão do Supremo Tribunal Federal.
- O senhor representava na Constituinte o CEAB. Essa entidade ainda existe?
- Existe, mas está parada porque eu sofri muita pressão do governo.
- Desde quando o senhor sofre essa pressão? E que tipo de pressão?
- No governo Sarney. Assassinato mesmo.
- Como?
- Assassinato mesmo eles tentaram.
- Isso desde a Constituinte?
- Desde os militares até o [governo] Lula.
- Então o senhor não se sentiu livre na Constituinte para poder
- [Interrupção]. Não!!! Eu não ligo para essas coisas não. Eu não to preocupado com que essa gente vai fazer. Eu não fico preocupado com esse tipo de coisa.
- Sr. Waldimiro, o senhor disse que as normas constitucionais não foram aplicadas, mas o texto que ficou pronto na Constituinte gerou alguma expectativa, o senhor concorda?
- Não como .... Existindo uma maioria ela tem que ser considerada como maioria. Nós não fomos considerados como maioria. Se não estamos com poder não somos maioria. Eu queria que você colocasse isso. A maioria só no poder. Não temos os cargos. Mas, querendo ou não, nós somos a maioria.
- Então o texto final da Constituição não agradou ao senhor...
- Não. Nunca agradou, ela não foi cumprida. [Pausa] O texto, vamos assim dizer, é rasteiro.Usa a expressão do ministro... sorrateira.
- Outros grupos foram mais favorecidos que os negros?
- [Longa pausa] Nós não somos grupo, somos a maioria da nação. Eu to falando que nós somos a maioria. E como maioria a Constituição não viu nada, não está sendo cumprida. É um governo de Apartheid. Nós temos um governo de Apartheid no Brasil.
- Então o §5º, que trata dos quilombos é muito rasteiro, não é significativo...
- Não, não...aquilo tudo é de brincadeira. Coisa que num é de concepção...hoje o governo brasileiro é um governo de Apartheid. Quero que você coloca isso aí, você coloca?
- Coloco sim!
- É um governo de Apartheid, racista, perverso, desumano, que não respeita os direitos humanos.
- Desde os militares?
- Em toda a História. Até hoje.
- Sr. Waldimiro, algo mais que o senhor queira complementar?
- Você anotou a Fazenda Tapera, para você botar o artigo desse rapaz? Você anotou.
- Sim. Já anotei. O senhor vive em Brasília...
- Eu moro em Brasília. Conheço toda essa cidade. Fui amigo do Itamar [Franco].
- O Itamar é da minha cidade, Juiz de Fora...
- É..aí você coloca ‘Carta de Uberaba, Congresso afro-brasileiro’ [em referência a evento ocorrido em 1979]. Leia o blog todo e leia o pronunciamento do Itamar para você ver o que ele diz. Vê aí Carta de Uberaba e Proclamação de Ribeirão Preto, Encontro de Ribeirão Preto, o negro no Brasil 1980 [título do blog]. Com isso você vai poder entender tudo isso.
- O senhor admirava a figura política de Itamar Franco?
- Ih, eu trabalhei junto com ele. A gente fez trabalho junto, de mãos dadas. Você vai ver no blog e vai entender tudo isso aí.
- Sr. Waldimiro, quero agradecer muito a atenção do senhor. Abraços.