O Sr. Mauro Benevides - Permite V. Ex. um aparte?
O SR. ITAMAR FRANCO - Ouço V. Ex:
O Sr. Mauro Benevides - Senador Itamar Franco, sabe V.
Ex: que, nesta Casa, sou um dos representantes do Estado que em nosso País foi um dos primeiros a redimir os escravos, pondo fim àquele regime de opressão que predominava na século passado. E, no instante em que V. Ex?- se reporta ao problema da discriminação racial, desejo ressaltar que o nosso partido, o Partido do Movimento Democrático Brasileiro, fez questão de inserir em seu programa um capítulo referente aos negros, condenando todas as formas de discriminação e defendendo a participação dos negros no processo político brasileiro. Muito grato a V. Ex:
.o SR. IT AMAR FRANCO - Sou eu quem agradece, Senador Mauro Benevides, não só o registro histórico que V. Ex: referiu, em relação ao seu Estado, roas sobretudo também lembrando o aspecto partidário, em que o nosso partido se apresenta também, com firmeza, nessa luta contra a discriminação racial.
O Sr. Aloysio Chaves - Permite V. Ex: um aparte?
O SR. ITAMAR FRANCO - Com muito prazer ouço V. Ex: O Sr. Aloysio Chaves - Desejo, nobre Senador Itamar Franco,
adicionar ao discurso de V. Ex: algumas observações que nele estão implicitamente contidas. V. Ex:- sabe que dentro do processo histórico, tradicional, no Brasil, não se fez essa discriminação racial. Aliás, um dos traços mais notáveis da civilização portuguesa é o seu caráter multirracial. Tanto assim, que agora quando a Europa enfrentou esse grave processo de descolonização, Portugal foi praticamente o último país a ser afastado do Continente Africano. Entretanto, por influências exógenas esse sentimento poderia ser estimulado, cultivado no Brasil e, coerente com a nossa tradição histórica e cultural, o eminente homem público, o grande jurisconsulto e ex-parlamentar Afonso Arinos de MeIo Franco é autor de uma lei que recebeu o seu nome, proibindo exatamente qualquer tipo de discriminação racial, em qualquer atividade administrativa, cultural, social ou política do País. Esta lei está em pleno vigor, pela qual tanto devemos nos bater e, sem dúvida alguma, será o instrumento eficaz para evitar que brote de qualquer maneira, em qualquer camada ou em quafquer segmento da população, um sentimento que venha contrariar essa tradição histórico-cultural brasileira. Também o nosso Partido, o Partido Democrata Social, inseriu no seu programa, com destaque, como ponto fundamental, o combate a toda espécie de discriminação, inclusive a racial, da mesma maneira como o fez o nobre Partido de V. Ex: conforme acaba de registrar o nobre Senador Mauro Benevides. Congratulando-me, portanto, com o pronunciamento de V. Ex: considero-o necessário e conveniente para evitar que qualquer resquício de preconceito racial possa, sob forma, mesmo dissimulada, surgir neste País, contrariando a nossa tradição histórico-cultural.
o SR. ITAMAR FRANCO - V. Ex: há de ter a oportunidade de verificar, no decurso do meu discurso, que focalizo bem o aspecto brasileiro, evidentemente destacando a sua singularidade neste processo de discriminação racial. Mas também lembramos que essas maiorias estão um pouco abandonadas em relação a determinados aspectos do nosso Brasil. Muito obrigado a V. Ex: pela sua. intervenção. Continuo, SI. Presidente:
Agiganta-se, essa fecunda experiência histórica, no cenário internacional, como paradigma de nova era nas relações entre raças e povos e, ao mesmo tempo, encerra o ciclo de um processo social abominável, de triste memória, indefeso à luz da civilização, porque odiosa, sob todos os aspectos, é a discriminação racial.
Identificam-se nesta vitória, democracia, liberdade, respeito aos Direitos Humanos, confraternização do elemento nativo.
Mugabe, um desses autênticos líderes populares, que emerge do
"status" político, diz:
"Estamos começando um capítulo inteiramente novo em nossa História. A guerra acaba de terminar. Estamos em paz. Não precisamos de lei marcial, nem de prisões políticas desnecessárias. Pessoalmente, as ditaduras me causam repugnância. O racismo, é claro, terá de ser abolido imediatamente. Queremos que todos possam ter plena participação e o direito democrático de tomar suas próprias qecisões. Quanto ao "apartheid" da África do Sul, podemos e devemos denunciá-lo nas Nações Unidas e junto aos países não-alinhados."
Para nós, brasileiros, dadas as nossa raízes africanas, que modelaram uma nação mestiça e uma "civilização tropical" - o que ocorre em Angola, Zimbabwe e Moçambique, nos interessa de perto e nos úbriga a refletir mais profundamente no preponderante papel do negro e do mestiço na nossa formação étnica, na sua força de trabalho em nossa economia e as suas notáveis e fundamentais contribuições no campo cultural, artístico, lingüística e nos costumes. Enfim, o seu real posicionamento no contexto social brasileiro.
E mais ainda: faz-nos questionar com maior seriedade e determinação a problemática do negro em nossa sociedade, suas condições de vidas, seus anseios e necessidades e, acima de tudo, a conscientização de seu status atual.
Tal conscientização, em verdade, já pode ser observada. Vários movimentos, em todo o Brasil, estão originando-se agora como força de aglutinação e participação do negro na vida nacional, objetivando a melhoria e a qualidade de sua existência.
O Sr. Lomanto ]únior - Permite V. Ex: um aparte?
O SR. ITAMAR FRANCO - Com muito prazer, nobre Senador.
O Sr. Lomanto ]únior - Nobre Senador Itamar Franco, eu me congratulo com V. E: pelo registro oportuno que faz da data comemorativa do Dia Mundial Contra a Discriminação Racial. Participei na semana passada, no Ministério das Relações Exteriores, de uma magnífica reunião presidida pelo Chanceler brasiileiro, Ministro Saraiva Guerreiro, onde tivemos a oportunidade de ouvir uma brilhante palestra, magistral palestra mesmo, proferida pelo Ministro Eduardo PorteIla, da Educação. O registro que V. Ex: faz nesta tarde, repito, é um dos mais oportunos e eu não poderia deixar de me congratular com V. Ex:, como representante de um Estado onde predominou no passado, e ainda tem marcas profundas no presente, a raça negra, a qual muito ajudou o 'desenvolvimento de meu Estado e que é, sem dúvida alguma, parte integrante da sua cultura e enriquece o seu folclore. Portanto, gostaria de transmitir a V. Ex~ os meus cumprimentos e dizer que me solidarizo com V. Ex:, quando registra no Senado da República as justas comemorações que o mundo inteiro faz pelo Dia Mundial contra a Discriminação Racial, o que ainda é, infelizmente, mácula - mácula terrível - que de qualquer maneira atinge a fundo a Humanidade. Precisamos todos unir os nossos esforços para que possamos escoimar, de uma vez por todas, a discriminação racial que se constitui numa vergonha para o mundo.
O SR. ITAMAR FRANCO - Muito obrigado, Senador Lomanto Júnior. É verdade: quando se fala em discriminação racial a voz da Bahia não poderia ficar ausente.
O Sr. Gabriel Hermes - V. Ex: permite um aparte?
O SR. IT AMAR FRANCO - Com muito prazer, Senador Gabriel Hermes.
O Sr. Gabriel Hermes - Nobre Senador, a oportunidade do discurso de V. E xª", realmente, é a melhor possível, principalmentequando se fala em discriminação racial dentro de um País como o nosso, pois temos de nos unir para destruir qualquer "pontinho" que apareça nesse sentido. Não é somente a raça negra: sabemos o que aconteceu há bem poucos anos com a raça amarela, com os indianos dentro de sua própria pátria, com Mahatman Gandhi a maior alma talvez deste século, o maior libertador dos últimos tempos - o que ele fez para libertar aqueles milhões de indianos e também homens e mulheres do Paquistão, sem derramar uma gota de sangue. Verificamos como eram tratados, talvez pior do que os próprios negros; só não eram escravizados da mesma maneira mas talvez de ordem pior que a dos negros, porque eram estranhos e desprezados dentro da sua própria pátria. Quando eu ouvi há poucos dias - vou encerrar o meu aparte - essa figura admirável de brasileiro, o homem de "Casa Grande E Senzala", Gilberto Freire, falando na televisão, com os seus 80 anos, congratulando-se consigo mesmo, pela beleza e oportunidade de seu trabalho que correu o mundo, ressaltando a raça nova que nasce no Brasil, essa raça que ele considera, por todos os modos, e por todos os motivos, alguma coisa de que ainda o mundo há de se honrar, produto da miscigenação do negro, do português, do branco e também de outras raças: como árabes, indianos e de todas as partes do mundo, raças muitas que foram escravizadas de uma maneira ou de outra. Nós verificamos que não tem mais sentido a discriminação e temos razão de sobra, nós brasileiros, para nos honrarmos de sermos misturados, por todos os sangues, para podermos apresentar ao mundo um homem de uma Nação onde todos nasçam em qualquer parte de mundo, aqui encontram o mundo de todos, aqui é o lugar de um mundo só, para exemplo. Por isso eu me congratulo com V.E: principalmente destacando a figura extraordinária do negro, este negro que nós nos acostumamos a amar, sobretudo, quando criança, quando eles ajudavam as nossas mães, nos dando carinho e muitas vezes nos dando o leite, e quase sempre nos dando muito amor. Congratulações a V. Ex:
O SR. ITAMAR FRANCO - Muito obrigado, Senador Gabriel Hermes, pela intervenção sempre lúcida de V. Ex: E ao destacar exatamente o negro, como diz V. Ex.:, destaco também os movimentos que se processam no Brasil em favor do negro.
Continuo, Sr. Presidente:
Em Minas, São Paulo e Brasília, nos últimos meses, realizaram-se encontros nesse sentido.
Brasileiros de todas as origens, reunidos no Triângulo Mineiro, por ocasião da Semana da Pátria do ano passado, ofereceram à Nação a "Carta de Uberaba", verdadeira proclamação de brasilidade, que os Poderes constituídos devem examinar e meditar com atenção e interesse. Trata-se de documento sério, de forma suprapartidária.
Deram, com esta iniciativa auspiciosa, mais uma prova de tolerância c cordialidade, tão próprias daqueles que fizeram a fortuna da coroa portuguesa e construíram a riqueza deste País.
Se o elemento negro foi, inquestionavelmente, o fator indispensável e presente em todos os ciclos econômicos do Brasil, desde o cultivo da cana-de-açucar à cultura do café, não se pode desconhecer que, com a descoberta das minas auríferas na região das Gerais, lá também, no nossso Estado, de bravas e heróicas lutas em prol da liberdade, o elemento negro, repetimos, participou ativamente no povoamento e progresso das terras mineiras.
Não foi, pois, aleatória ou gratuita a escolha de uma comuna de Minas - Uberaba - para local do primeiro encontro dos negros brasileiros. É em Minas Gerais que vamos constatar, nos registros da História Pátria, a figura indomável de Chico Rei, o negro que se notabilizou por não se deixar escravizar, por reconhecer que o homem nasce livre e assim deve permanecer.
O clamor da "Carta de Uberaba", pela causa e valores eternos ali contidos, iria, obviamente, frutificar-se. De 23 a 25 de novembro passado, já em terras paulistas, negros de diversos Estados encontraram-se em Ribeirão Preto para estudar e debater os seus problemas e a melhor forma de participação no processo histórico do País, tendo como inspiração e guia a figura maior de Zumbi, proclamador da República de Palmares.
Indagou-se muito nesses conclaves as razões da pouca participação do homem de cor nos destinos e na estrutura social da comunidade.
Ora, se somos uma "sociedade multiracional", ética e culturalmente falando; se temos convicção de que nosso embasamento econômico calcou-se, fundamentalmente, sobre o braço negro; se "o senhor brallco já não pode permitir a marginalização daqueles que outrora guardava na casa grande e senzala", como afirma o sociólogo Gilberto Freire, que está, neste mes, em meio a várias homenagens, completando 80 anos, todos dedicados ao estudo da miscigenação e da cultura afro-brasileira.
O Sr. Leite Chaves - Permite V. Ex: um aparte?
O SR. ITAMAR FRANCO - Com muita honra.
O Sr. Leite Chaves - O nosso Partido, o Partido Trabalhista Brasileiro, se associa às homenagens de V. Ex: E como todos sabem um dos itens do nosso programa partidário é este, a luta contra a discriminação racial. Poucas raças serviram tanto ao Brasil quanto a negra; e poucas foram tão violentadas quanto ela. Aliás, um dos episódios mais dolorosos da História do Brasil é aquele da fuga dos negros dos engenhos, já na proximidade da época da libertação, quando eles se juntaram no Quilombo dos Palmares para a defesa daqueles resíduos de liberdade que aguardavam alcançar um dia. E foi Domingos Jorge Velho, comandando a repressão, que pela primeira vez usou no mundo a guerra bacteriológica. Ele simulava prender negros contaminados de varíola, em seguida incitava-os à fuga, para que, sendo homiziados pelos outros escravos no Quilombo dos Palmares tivessem a doença difundida por toda a comunidade. Foi aqui no Brasil onde primeiro se usou a guerra bacteriológica contra os pretos. Libertos, eles continuam marginalizados. Oitenta por cento das favelas são constituídas de pretos, porque não se deu uma oportunidade maior para que economicamente eles se soerguessem. Acho que já é tempo de se fazer justiça ao preto no Brasil. A primeira delas é a eliminação dos resíduos preconceituosos, porque somos um País de mestiços. E, aliás, é nessa miscelânia que está a força brasileira. Em seguida, uma ação mais eficiente no que diz respeito à sua recuperação econômica ou, pelo menos, uma possibilidade igualitária para que eles possam soerguer-se economicamente e dar a sua melhor contribuição ao País. Muito obrigado.
O SR. ITAMAR FRANCO - Nobre Líder do Partido Trabalhista Brasileiro, Senador Leite Chaves, muito obrigado pela intervenção de V. Ex?- É exatamente sobre determinados aspectos, Senador Leite Chaves, que ouso hoje chamar a atenção do Senado Federal para o problema.
Sr. Presidente, já vou encerrar.
Por que então, excetuando-se as individualidades marcantes que ascenderam a posições de destaque e prestígio, o negro, o mulato, o mestiço, enfim, a grandc e esmagadora maioria do povo brasileiro, lamentavelmente, ainda não participa das decisões nacionais e não usufrui, como devia e merece, dos benefícios do progresso?
É, pois, em tempos de abertura que esses questionamentos devem ser debatidos, aqui no Congresso, nas praças públicas, nos púlpitos, nas cátedras e na Imprensa, o que ora fazemos desta Tribuna.
Discutirmos a situação do negro no âmago da coletividade. Verificarmos os erros, as omissões, os preconceitos que o têm levado à marginalidade social, econômica e cultural, desumana, sob prisma pessoal, e desagregadora da nacionalidade, ante os interesses coletivos maiores, para, então, capacitarmos suficientemente na viabilização de soluções efetivas que a questão requer.
Faze-lo, enfim, co-partícipe dos frutos da riqueza, ensejandolhe oportunidades, em condições iguais, de acesso à educação, em todos seus níveis, à ciência, a empregos e postos de relevo na administração pública e particular e que, garantindo-lhe remuneração condigna em seu trabalho e profissão, tenha moradia própria, saúde e lazer. Parodiando conhecida canção popular, diríamos que o negro precisa ter vez!
A sociedade brasileira só será, realmente, aberta, justa e equânime quando agregarmos todos os seus segmentos - como os negros - ao desenvolvimento da Nação.
Em consonância a essas reflexões e atendendo às aspirações e sentimentos do Brasil mestiço, solicitamos que integrem os Anais do Senado Federal a "Carta de Uberaba" e o documento elaborado em Ribeirão Preto, denominado "O negro sob a visão política do estadista da República dos PaI mares no Brasil de hoje".
Muito obrigado, Sr. Presidente. (Muito bem! Palmas.)