terça-feira, 19 de junho de 2007

Carta do Deputado Carlos Santos

Carta do Deputado Carlos Santos
Brasília, 16 de abril de 1980

Eminente Senador Itamar Franco, Saúde e Paz!
No preciso instante em que Vossa Excelncia, engalanando a nossa mais alta tribuna política, falava para o Brasil sobre o "Dia Internacional para Eliminação da Discriminação Racial", ali mesmo, o Senado da República, soberba e oficialmente, incorporava-se aos entreveros santificantes da reação coletiva e cívica contra a bruta­lidade doentia do racismo.

Como se reivindicado houvesse para mim o privilégio sublime de resguardar as excelencias da negritude - pelo que nela se recama a dignidade suprema da Pessoa Humana, em termos de florões do espírito, "órgão da vida eterna", como diria Rui - tenho saturado os Anais da Câmara Federal com o fervor da fala sem ódio e sem prevenção, sempre, porém, ungida de orgulho do sangue, da origem, do berço sobretudo, do papel histórico do Negro no bojo da nacio­nalidade nascente.

Se nos arreganhos racistóides, porém, que aqui e ali vão repon­tando nos escaninhos da Pátria, é a voz negra isoladamente que se projeta vanguardeando as reações salutares - o que em parte se admite e compreende -, nos momentos de memoração simplesmente cívica de exaltação pondunorosa dos fatos e dos homens que pau­taram no tempo os momentos de grandeza aEro-brasileira; a home­nagem é bem que não partisse de nós, pois numa esplendente mos­tragem do embasamento da nossa decantada "sociedade multirracial" o Negro aí deveria ser, tão-só, no calor das reverencias, motivo cívico e não raíz geradora; tão-somente alvo e não mola impulsora; nobre efeito, apenas, e não causa ufanosa.

É como fez o meu Rio Grande do Sul, nos idos de 1969, quando ao ensejo do Bicentenário da Colonização e Imigração, envolveu toda a estirpe ebanizada nos florões da gratidão do Estado e nas galas das homenagens oficiais.

Não foi diferente a postura altiva e patriótica de Vossa Exce­lencia, em fazendo de seu primoroso discurso o brado mesmo do próprio Senado Federal, solidário com a luta universal contra a abjeção do racismo.

E local outro mais indicado para tão vibrante manifesto de sadia hrasilidade, de patriotismo sem dobra nem jaça, é certo que não se ofereceria.

Casa maior do Povo, centro aglutinador das mais castiças vir­tudes de brasileira gente, o Senado Federal, na virilidade da fala de Vossa Excelcncia, se fez crisol da mais soberba conceiruação da unidacle espiritual do nosso povo. sem o que a idéia de Pátria re­dundaria em mera ficção.

Evocando as "nossas raízes africanas, que modelaram uma nação mestiça e uma civilização tropical", Vossa Excelência põe em relevo o ahsurdo, o ridículo, o incoerente, o ilógico, o esdrúxulo das cogi­tações dc raça no seio de um Povo como o brasileiro, em cuja nacio­nalidade está implícita a preponderância do "papel do negro e do mestiço na nossa formação étnica, na sua força de trabalho em nossa economia e as suas notáveis contribuições fundamentais no campo cultural, artístico, Iingüístico e nos costumes. Enfim, o seu real posic!onamento no contexto social brasileiro".

E então, Vale a magistral oração de Vossa Excelência por uma solene advertência aos brutos da raça pura", aos bobos da corte sem garbo de Gobineau, que por aí afora andam perdidos no pró­prio desajuste mental para a ambiência democrática e, pior ainda, inépcia moral para o resguardo da nossa realidade esplendente como Pátria livre e soberana; pois fazem da coloração epidérmica - con­dição simplesmente acidental - fator de discriminação social e, desta, a mais repugnante razão de quebra de unidade espiritual, que é a esslência mesma do ideário de Pátria.

Não se fustiga a estima, nem a benemerência, nem os brios dos paladinos da jornada gloriosa da Abolição, quando se afirma ter ficado abcrto no tempo o ciclo histórico de 13 de Maio .

A quebra dos guilhões de ferro ou o destroço das senzalas imun­das; a extinção oficial do Iabéu escravagista ou a decretação formal da liberdade física; a proclamação ruidosa da Abolição ou a queima inócua do arquivo escravocrata; a transformação do "escravo-coisa" em gente ou da gente em cidadão; nada disso exauriu os ideais de grandeza moral da geração preordenada que projetou no painel da História o 13 de Maio de 88.

O"Todos são iguais perante a lei" que reluz no texto da nossa Carta Magna, não evitou. nem dispensou a Lei Afonso Arinos, de tão enervante ineficácia.
o próprio Autor, o eminente jurista, Afonso Arinos, confessa-se desapontado e declara aos jornais que nunca houve punição escudada na Lei em tela, embora registre vinte e sete anos de vigencia, infeliz­mente sem a mínima aplicação.
Diz mais: que ao contrário, o problema se agravou na Última década, em função do esplendente surto industrial no País, real­çando, textualmente, que "temos uma classe de ricos mais numerosa, quase todos com sangue negro nas veias, pelo que eu mesmo cons­tatei. Mais são racistas, apesar de mestiços, ou então, por causa disso mesmo" .

A Carta de Uberaba que os negros ali reunidos dirigiram ao Governo e à Nação, emoldura o posicionamento político que devem tomar, com os olhos e o pensamento voltados para a sua plena, imperiosa e patriótica integração nacional.

E por reunir e expressar o importante documento um punhado ele "aspirações e sentimentos elo Brasil mestiço" houve por bem Vossa Exclência honrar seus autores, ao transformá-lo em parte integrante de sua memorável oração.
Tem, ele fato, a política, papel primordial no escopo superior da ascensão social do negro brasileiro.

Não, porém, como Minoria, integrante que é da comunidade brasileira, sem diferença ele língua, de religião, de costumes ou de qualquer outro elemento que o tornasse estranho à comunhão na­cional.

Ele tem de ser convocado, aproveitado e dignificado no setor político como cidadão, na mais rigorosa igualdade de condições, sob a égide do direito da absoluta igualdade que a Lei lhe outorga, ­artífice que foi, pelo sangue, pela ternura, pelo sofrimento e pela re­núncia, da obra gloriosa da construção da pátria nacionalidade.

Por tudo quanto aqui em forma de letra, o coração diton. Com a chancela das emoções mais vivas e naturais, rogo se digne Vossa Excelência receber e aceitar as minhas congratulações pelo brilho da forma, excelência do conteúdo e moldura de requintada brasili­daele da magnífica oração com que registrou, nos Anais do Senado Federal, o transcurso do "Dia Internacional para Eliminação da Dis­criminação Racial".

Com elevada estima e não menor admiração, creia-me, fraternalmente - Deputado Carlos Santos.


Dados Básicos:
Data de Nascimento:
09/12/1904 (Falecido em 09/05/1989)
Local de Nascimento:
Rio Grande do Sul, RS
Legislaturas:
1975-1979 e 1979-1983.
Mandatos (na Câmara dos Deputados):
Deputado Federal, 1975-1979, RS, MDB. Dt. Posse: 01/02/1975;
Deputado Federal, 1979-1983, RS, MDB. Posse: 01/02/1979.
Filiações Partidárias:
ARENA; MDB
Condecorações:
Comenda Pro Eclesia et Pontifice - Papa João XXIII, 1960. Recebeu igual Comenda do Papa Paulo VI, 1967.
Estudos e Cursos Diversos:
Estudos iniciais no Liceu Salesiano Leão XIII e nos colégios estaduais Nossa Senhora do Rosário e Lemos Júnior; Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais - Faculdade de Direito de Pelotas, da Universidade do Rio Grande do Sul, 1950.
Obras Publicadas:
Predestinação do Direito, Tip. Leão XIII, 1950.
Atividades Parlamentares:
CÂMARA DOS DEPUTADOS: COMISSÕES PERMANENTES: Relações Exteriores: Membro efetivo, 1975.CPI: Problema do Menor: Membro efetivo, 1975, e Presidente, 1975.

8 comentários:

  1. Ministro Tarsso Genro, a carta do Deputado Carlos Santos ( saudoso)ao senador Itamar Franco ( 1980) seu conterrâneo, mostra a sabedoria gaúcha, com muita paz e harmonia nas coisas políticas, rio grandense, do Brasil e do Mundo, na condição de Ministro da Justiça, pode lhe auxiliar, nas informações de seu Cargo, "política de Integração Racial"
    Waldimiro de Souza

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  2. A Criação do Projeto INTERMODAL (JK), facilitava a vida e o desenvolvimento da população mais carente, Negros e Pobres, pois era um projeto de integração nacional envolvendo, as rodovias, ferrovias, portos e aeroportos, possibilitando maiores facilidades para as populações menos favorecidas da época, ( negros e pobres), como a educação transporte e energia.
    Hoje os órgãos com o DENIT, já não tem a mesma função executiva, são meramente burocráticos, deixando um grande déficit na área executiva.
    Essas ações foram temas de trabalhos parlamentares do saudoso Dep federal Carlos Santos , na comissão de inquérito do Menor Abodonado.
    Pedro Figuereido de Souza

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  3. Assim como a Carta de Uberaba trata da terra e sua relação do homem com sua terra, também vemos aqui que a revitalização do Velho Chico, primam por insuflar um fôlego novo ao povo ribeirinho. Com a implantação dos meios de conservação da bacia retromencionada temos por tudo a valoração dos habitantes e da terra por extensão. Com essa obra resgata a história nordestina séculos de vida e tradição com melhoria na qualidade de vida do ribeirinho.
    Maria da Glória Souza Rocha.

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  4. É bom ressaltar qua a carta de Uberaba deu início uma nova discussão em um exercício da inteligência, buscando a competente gestão do poder executivo em suas práticas políticas, que o judiciário tem o dever de cumprir sua imperiosa função constitucional de interpretar as leis e julgar e o legislativo exercitar o conceito da existência do parlamento que é o uso da palavra, a expressão do verbo em ação que restitui a dignidade da vida e da nação. Creio no Brassil novo.
    Evandro Viana, acadêmico em Direito, Brasília.

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  5. A proposta do blog O Negro no Brasil atual, trata de documento exarado em 1979, num Congresso Afro-brasileiro, que editou a Carta de Uberaba. De pronunciamento político, e que fala de gestão competente, de estratégia, do exercício da inteligência para entender a sabedoria; no dizer do prof. e cientista Milton Santos, que a Carta de Uberaba seria uma provocação aos cientistas, ao corpo docente e discente das Universidades mundiais. E acrescentou que a criação do navio negreiro pelo continente europeu, bem retratado pelo poeta Castro Alves, liga o continente africano e americano na prática política e de gestão administrativa de tráfico maldito, do caráter humano, gestado nas brumas diabóicas do continente europeu. O que a Europa pode contribuir com a dignidade humana?

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  6. O QUE É HISTÓRIA?
    Estudar e pesquisar História, exige cuidados e atenção especiais, principalmente quando trabalhamos com a séries iniciais, pois eles serão homens e mulheres do futuro.

    O QUE É HISTÓRIA?
    Letra e Música: Luiz Carlos Varella de Oliveira (Março 2001)

    I

    Eu vou mostrar “prá” voces,
    O que a História faz por nós.
    Será que estaríamos aqui,
    Se não fossem nossos avós.


    Ei você onde vai,
    Cuide bem dos seus pais.

    II


    O Brasil no início,
    Tinha índios e muitas florestas,
    Com a chegada do Branco
    Veja só o que nos resta.

    Os nativos estão reduzidos
    E de nossas matas somente lembranças.

    III

    Quando Estudamos História,
    Compreendemos a nossa existência,
    As conquistas nas lutas
    Faz aumentar resistências.

    As etnias mostrando união
    Transformam os rumos de uma nação.

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  7. Povo Baiano precisa está unido afim de solicitar do Governo federal e estadual,as publicações de todos livros etc. do Patrono Brasileiro, Doutor,Professor, Investigador, Pesquisador Geógrafo Milton Almeda Santos,e aonde esteja em todas as escolas e Bibliotecas do País http;//onegronobrasil1980.blogspot.com

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  8. 2. em 11 Março, 2009 às 3:18 pm Fernando Conceição
    Prezada professora Maria Luiza Heine,
    escreve Fernando Conceição, jornalista e professor da Faculdade de Comunicação da UFBA. Coordeno um grupo de pesquisa que está levantando dados sobre a vida e as idéias de Milton Santos. O resultado será a publicação da biografia autorizada dele, sob minha responsabilidade. Como ele residiu e foi professor em Ilhéus, pretendo ir a esse município agora em março de 2009 buscar dados e todo e qualquer tipo de informação sobre assunto, inclusive documentos e imagens.
    Sei que a senhora poderia colaborar conosco nesse sentido. Dessa forma, gostaria de saber de sua disponibilidade em nos apoiar quando da presença de nossa equipe em Ilhéus. Gostaria de conversar com a senhora e mesmo realizar uma entrevista gravada em vídeo. Bem como com outras pessoas que, se ainda vivas, foram contemporâneas de Milton Santos, colegas dele no professorado, funcionários, amigos e mesmo adversários. .
    Aguardo com ansiedade a sua resposta, bem como indicações de pessoas que poderiam complementar a nossa busca de informações sobre a presença de Milton Santos em Ilhéus. Há arquivos da escola, das aulas, sobre alunos dele etc?
    Agradeço,
    Fernando Conceição.


    3. em 13 Março, 2009 às 1:27 pm mlheine
    Waldimiro, agradeço sua participação, e concordo com o que diz.
    Maria Luiza


    4. em 21 Março, 2009 às 11:25 pm Waldimiro de Souza
    Ola! Professor Fernando Conceição,
    A universidade federal da Bahia, junto com a sua militância e sua amizade com o Doutor Milton Almeida Santos está resgatando a importância da referencia mundial da obra de Milton. No entanto os políticos não entenderam ainda, na sua grande maioria nem sabe da sua existência. Pela sua experiência de jornalista e acadêmico, será que podemos realizar um simpósio ou um seminário internacional no congresso nacional e que a Bahia faça as honras do seu filho mais importante. Fica a sugestão do blog onegronobrasil1980.blogspot.com


    5. em 8 Abril, 2009 às 10:08 pm Waldimiro
    Parabéns ao povo de Ilhéus, às escolas e universidades e, especialmente, a senhora Maria Luiza Heine juntamente com o Professor Fernando Conceição e a Universidade Federal da Bahia por resgatar toda a contribuição que Milton Santos deixou para a Bahia, o Brasil e a humanidade. Inciativas dessa sorte dá à juventude brasileira motivo de se tornar mulheres e homens com sua responsabildade de construir uma nova civilização.


    6. em 9 Abril, 2009 às 12:17 am mlheine
    Sr. Waldimiro,
    Obrigada por sua participação em nosso blog.
    Maria Luiza Heine

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